Quando tudo isso acabar, vou pensar no futuro novamente. Voltarei a sonhar e vislumbrar uma luz no fim do túnel. Deixe-me apresentar: sou Patrícia Oliveira, também gosto do título de A Favelada Arquiteta ❤ 😊. Sinto imenso orgulho em ter uma profissão. Geralmente aqui no meu território, a favela de Manguinhos (também conhecida como Faixa de Gaza), ninguém nos pergunta o que queremos ser quando crescermos. Eu cresci e comecei a entender que, talvez, um dos motivos da falta de curiosidade dos adultos que me cercavam se dê pelo fato de que eles estavam sempre muito ocupados em resolver problemas causados pelas situações limite que nos atingem há décadas, que cito como exemplos: enchentes, violência, incêndios, falta de emprego, saúde em todos os aspectos, EDUCAÇÃO, saneamento básico, e diversos outros direitos que estão na Constituição Federal, mas que infelizmente não chegam até nós.
O ano é dois mil e vinte e chega uma pandemia para piorar o que já estava muito ruim. A COVID-19 é uma doença cruel e devastadora. Os primeiros meses da pandemia davam um sinal de que as coisas ficariam periclitantes. Hoje, dia dezessete de agosto de dois mil e vinte e um, posso dizer que as coisas estão em um nível surreal. Milhares de pessoas morrendo e os governantes do meu País estão roubando verbas destinadas à saúde, sem o menor peso na consciência. M-I-L-H-A-R-E-S-D-E P-E-S-S-O-A-S-M-O-R-R-E-N-D-O!! MAIS DE 500 MIL PESSOAS!
Morrem de várias formas: pelo vírus, pela doença, pela fome, pela falta de saúde mental...
Quando tudo isso acabar, vou pensar em meu futuro. Quero ser Doutora. Preciso terminar o projeto Casa da Lala. A Lala precisa de uma casa. Eu preciso terminar o que comecei*. Confesso que neste momento tenho sentido maiores dificuldades para praticar a arte que nos é ensinada (crianças da favela) desde a mais tenra idade : a arte de resistir às situações limite. Furar a bolha social, através da graduação, não foi o bastante (e olha que só eu sei as dores e delícias que foram aqueles cinco anos não tão longínquos). Sinto que ainda tenho um alvo no meio do meu peito por conta do CEP de onde eu moro, e principalmente pela minha cor. É cansativo.
Fico me perguntando: será que quando tudo isso acabar, os sobreviventes terão se tornado seres humanos melhores?! Ontem li na internet que estamos passando por uma limpeza espiritual para uma melhora vibracional no Universo. Coincidentemente, ontem também assisti cenas de pessoas caindo de um avião no Afeganistão… estavam tentando, da forma que acharam, a melhor maneira para lidar com a situação limite chamada guerra pelo poder. Uma guerra que, como muitas outras, tem o dedo (ou as mãos inteiras) de homens brancos, com muito dinheiro e que estão muito distantes dos fronts que eles fomentam. Dias tristes. Revoltantes.
Quando tudo isso acabar, vou querer me envolver em um novo projeto na favela de Manguinhos ❤: reformar cômodos de diversas casas para melhorar a ventilação e iluminação naturais dos espaços. O calor humano neste momento é proibido por questão de saúde, é algo que está sendo preconizado para o bem da humanidade. Nada de beijos, abraços, encontros agradáveis com as pessoas que gostamos; nem visitar casas... No momento, posso tentar reacender a cada dia a chama que me impulsiona para lutar, não esmorecer e nem “panguar”.
Meu sonho de verdade, hoje, é morar em uma casa na praia e ficar pescando camarão...
“Você precisa decidir quem você é e forçar o mundo a lidar com você, não com a ideia de você.” (James Baldwin)
*Para saber mais sobre a história da Casa da Lala, veja a reportagem na revista Piauí: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/uma-casa-para-lala/
Sobre a autora:
Patrícia Gomes de Oliveira possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Augusto Motta (2017). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo com ênfase em Antropologia Urbana e Habitação de Interesse Social. Se identifica como A Favelada Arquiteta e desenvolve o projeto Casa da Lala em Manguinhos/RJ.